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Angelo Alves- Graduado em Ed.Física UCSal; Pós-Graduado em Fisiologia do Exercício; Times que Trabalhei: Vitoria BA, Miami FC, FC Moscow, Krilia Sovetov (Russia ).Estágio CSKA da Russia.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Metodologia de Trabalho de José Mourinho

Tentando 'desvendar' as virtudes do técnico português

Desculpem-me aqueles que ainda não entendem a importância do trabalho transformador do mestre Mourinho, mas estou imbuído em desvendar as virtudes desse português, independente dos conservadores e ultra-conservadores que, infelizmente, têm vez, voz e voto no cenário atual de nosso futebol.

Nesta crônica quero iniciar uma discussão mais específica, revelando aspectos peculiares da filosofia de Mourinho, as quais coadunam na concretização de sua metodologia de trabalho.

Para isto poderia iniciar parafraseando as idéias do ex-treinador do Chelsea, mas escolho citar literalmente a sua fala, para que meus comentários posteriores possam ser os mais fidedignos possíveis.

Desse modo, destaco a lição pedagógica descrita no início do livro “Um ciclo de vitórias”, quando Mourinho comenta como à convivência com os jogadores do Barcelona despertou nele a necessidade de repensar sua forma de conduzir um treino, possibilitando assim a construção de um dos aspectos de sua metodologia, batizada de “descoberta guiada”.

O treinador explica: “Jogadores com este nível não aceita o que lhes é dito apenas pela autoridade de quem o diz. É preciso provar-lhes que estamos certos. A velha história do mister ter sempre razão não é aqui aplicável. (...) O trabalho tático que promovo não é um trabalho em que de um lado está o emissor e do outro o receptor. Eu chamo-lhe a descoberta guiada, ou seja, eles descobrem segundo as minhas pistas. Construo situações de treino para os levar por um determinado caminho. Eles começam a sentir isso, falamos, discutimos e chegamos a conclusões. Mas para tal, é preciso que os futebolistas que treinamos tenham opiniões próprias. Muitas vezes parava o treino e perguntava-lhes o que eles sentiam em determinado momento. Respondiam-me, por exemplo, que sentiam o defesa direito muito longe do defesa central. Ok, vamos então aproximar os dois defesas e ver como funciona. E experimentávamos, uma, duas, três vezes, até lhes voltar a perguntar como se sentiam. Era assim até todos, em conjunto, chegarmos a uma conclusão. É a esta metodologia que chamo a descoberta guiada.”

Antes de continuar preciso salientar que apesar de dizer que Mourinho nos dá uma aula sobre princípios pedagógicos, estou me dirigindo ao mundo do futebol, pois para os pedagogos (que se opõem à abordagem tradicional) isto já é lugar-comum, ou seja, todos os novos professores que atuam nas escolas já dominam e aplicam estas estratégias metodológicas em suas aulas.

Mas, a imensa maioria dos treinadores de futebol, professores e formadores de jovens futebolistas, não renovaram seus conhecimentos pedagógicos, ou seja, ainda seguem ingenuamente os preceitos da abordagem tradicional.

Qualifico-os como ingênuos, devido ao fato dos mesmos não terem consciência da existência de qualquer princípio pedagógico em seus treinos. Treinador é treinador, treina, não ensina. Treinador adestra movimentos, impõem de forma autoritária suas verdades, tratam os jogadores como objetos manipuláveis para suas conquistas pessoais.

Todas estas características os qualificam e os agrupam juntos aos seguidores da abordagem tradicional de ensino e, ao mesmo tempo, propagadores da metodologia de ensino tecnicista. Alegóricos esses tão combatidos por inúmeros pensadores da pedagogia contemporânea, como, por exemplo, os mestres Paulo Freire e Celestian Freinet, além dos estudiosos da psicologia da aprendizagem, dos quais destaco rapidamente os maiores, Jean Piaget, Lev Vigostski e Henry Wallon.

Sendo assim, vejo o português José Mourinho como um pedagogo treinador, que apresenta, pelo menos nestes aspectos descritos, conhecimentos atualizados em relação à pedagogia e, concomitantemente, à pedagogia do esporte.

O professor/treinador demonstra ter uma grande preocupação em respeitar o conhecimento que os jogadores possuem, pois os trata como seres humanos. Pessoas pensantes, que não só têm, como devem adquirir opinião crítica própria, para o bom desenvolvimento do processo metodológico.

Além do fato de que abrir espaço para os jogadores questionarem a estruturação tática da equipe em hipótese alguma tira do treinador sua autoridade, pelo contrário, reforça-a.

Ele é sabedor da máxima pedagógica de que mandar e o aluno fazer não caracteriza ensino, muito menos significa que o educando aprendeu o que ele fez. Um dos mais respeitados teóricos da aprendizagem, o suíço Jean Piaget, em seu livro Fazer e compreender deixa claro que fazer não significa compreender. Fazer se encontra no nível da ação, gerando apenas uma competência para sua reprodução e afirmação. Compreender está para a conceituação, ou seja, quem compreende sabe explicar o porquê da ação, e se é dominante desse conceito, potencializa sua capacidade de readaptá-lo às novas exigências e não apenas sua reprodução alienada.

A preocupação de Mourinho está em construir conhecimento, fazer com que os jogadores compreendam como ele está analisando taticamente a equipe, contudo, em meio ao desenrolar do processo, está preparado para mudar a sua forma de pensar. Em decorrência da opinião emitida pelos jogadores pode ser que tudo mude, e a descoberta guiada seja também sua, confirmando as sábias e experientes palavras do nosso professor Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia: “É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção (...) Logo, nem formar é ação pela qual um sujeito criador [treinador] dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.”

Desse modo, sintetizando, o princípio metodológico de Mourinho, descrito como descoberta guiada, resume-se na criação de um ambiente facilitador de aprendizagem significativa. O ex-treinador do Chelsea e do Porto instiga seus jogadores a superar desafios, criando situações problemas que engendrem a necessidade de um tateio experimental que proporcione a tríade ação-reflexão-ação, dando voz aos atores do processo por meio de tempos técnicos, onde os jogadores têm liberdade para pensar e interagir, fazendo com que se sintam sujeitos da metodologia e participantes ativos no desenvolvimento da preparação da equipe.

Se todos são co-autores, logo conhecedores do esquema, o mesmo passa a ser auto-regulado/organizado pelos próprios jogadores no campo, abrindo espaço para que o treinador possa pensar em outras estratégias para surpreender o adversário.
Sendo assim, extingui-se a necessidade do técnico ficar berrando na beira do gramado frases como esta: “agora cruza”; “passa”; “vira o jogo”; “chuta”..., com um intuito explícito de tentar fazer com que os jogadores joguem a seu modo, e um outro implícito, preocupando-se em mostrar aos outros que agindo de tal modo está aparentemente trabalhando.

Entretanto, não sou ingênuo, pelo contrário sou provocador, pois finalizo esta crônica tendo consciência de que tudo o que foi exposto e discutido, para aqueles que ainda, consciente ou inconscientemente, norteiam-se na abordagem tradicional (reproduzindo uma metodologia tecnicista), não passa de perfumaria, adereços, detalhes de menor importância que efetivamente não ganham jogos, Assim não conseguem enxergar os princípios pedagógicos como decisivos diferenciais, e que ensinar e aprender dependem apenas da entonação de ordem bem dada.

Portanto, estão longe de entender os porquês de tantas vitórias de José Mourinho, e, ao mesmo tempo, conseguir fazer conexões e reflexões úteis à sua vida profissional a partir do que nosso mais renomado e reconhecido pedagogo Paulo Freire, quer dizer neste excerto: “Somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e a aventura, e, muito menos, sem uma metodologia consistente, consciente e coerente”.
Site.( www.univesrsidadedofutebol.com.br )

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